- E então? E então? E o amor? E o amor, ele é sempre recíproco?
- Mas é claro! Mas é claro!

Foi mesmo por isso que se inventou o inconsciente, para se perceber que o desejo do homem é o desejo do Outro, e que o amor é uma paixão que pode ser a ignorância desse desejo, mas não lhe tira todo o seu alcance. Quando se olha mais de perto, veem-se as devastações que ele causa. Então, certamente, isso explica que o gozo do corpo do outro, esse gozo, não seja uma resposta necessária. Isso vai até mais longe: também não é uma resposta suficiente, porque o amor, ele sim, demanda o amor, e não cessa de demandá-lo e de demandá-lo sempre mais (encore). Encore, este é o nome próprio dessa falha de onde, no Outro, parte a demanda de amor. (...)
seminário XX - Lição I
O inferno pelo qual eu passara – como te dizer? – fora o inferno que vem do amor. Ah, as pessoas põem a ideia de pecado em sexo. Mas como é inocente e infantil esse pecado. O inferno mesmo é o do amor. Amor é a experiência de um perigo de pecado maior – é a experiência da lama e da degradação e da alegria pior. Sexo é o susto de uma criança.
Clarice Lispector - A Paixão Segundo G.H.
o amor e o trabalho
E aí que está a essência do direito, que é repartir, distribuir, retribuir o que é do gozo.

Mas o que é o gozo? É precisamente o que, por enquanto, se reduz para nós a uma instância negativa. O gozo é o que não serve para nada, só que isso não explica muita coisa. / Nada força ninguém a gozar, exceto o supereu.
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- "o gozo do Outro, do corpo do outro que O (aqui também com maiúscula) que O simboliza, não é signo do amor".

Eu escrevo isso e não escrevo depois: acabou, nem amém, nem assim seja. Ele não é o signo, mas é contudo a única resposta. O complicado é que a resposta, ela já está dada no nível do amor, e o gozo, por este motivo, permanece uma questão, questão no fato de que a resposta que ele possa constituir não é necessária inicialmente. Não é como o amor. O amor, sim, faz sinal, e como eu tenho dito já há muito tempo, é sempre recíproco. Se eu propus isso muito devagar, dizendo que os sentimentos são sempre recíprocos, era para que... ah! para que isso me retornasse.

O ser do corpo é sexuado, certamente, mas isso é secundário, como se diz. E como a experiência o demonstra, não é desses rastros que depende o gozo do corpo, enquanto ele simboliza o Outro. E isso que mostra a mais simples consideração das coisas.

De que se trata então no amor? Como propõe a psicanálise, com uma audácia tanto mais incrível que toda a sua experiência vai contra, o que ela demonstra é o contrário, o amor é fazer UM. É verdade que não se fala de outra coisa há muito tempo, do UM: a fusão, o Eros seriam tensão em direção ao Um.
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E o que a análise demonstra é que o amor, em sua essência, é narcísico, e o blá-blá-blá sobre o objetal é algo, justamente, cuja substância ela sabe denunciar no que é resto no desejo, isto é, sua causa, o que o sustenta, por sua insatisfação ou mesmo por sua impossibilidade.

A impotência do amor, embora ele seja recíproco, está ligada a essa ignorância de ser o desejo de ser Um. Isso nos leva à impossibilidade de estabelecer a relação deles/dois. Deles quem? Dos dois sexos.

Seguramente, como eu disse, o que aparece nesses corpos, sob essas formas enigmáticas que são os caracteres sexuais, que não passam de secundários, sem dúvida faz o ser sexuado. Mas o ser é o gozo do corpo como tal, isto é, como a - coloquem-no como vocês quiserem - como a sexuado. Pois o que é dito gozo sexual é dominado, é marcado pela impossibilidade de estabelecer como tal, em nenhum lugar do enunciável, esse único Um que nos interessa, o Um da relação: relação sexual.
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E o que o discurso analítico demonstra que, justamente no que diz respeito a um desses seres como sexuado, o homem, enquanto provido do órgão dito fálico - e eu disse 'dito' -, o sexo corporal, o sexo da mulher - eu disse 'da' mulher - justamente, não há, não existe 'a' mulher. A mulher é 'não-toda', o sexo da mulher não lhe diz nada, a não ser por intermédio do gozo do corpo. (isso é mto lindo.)
Nada distingue a mulher como ser sexuado, senão, justamente, o sexo. Que tudo gire em torno do gozo fálico, é exatamente isso que a experiência analítica testemunha, e testemunha nisso, que a mulher se define por uma posição que apontei como 'não toda' no que se refere ao gozo fálico.

Vou um pouco mais longe: o gozo fálico é o obstáculo pelo qual o homem não consegue, eu diria, gozar do corpo da mulher, precisamente porque aquilo de que ele goza é desse gozo, o do órgão. E é por isso que o supereu, tal como indiquei há pouco, com o "Goze!, é correlato da castração, que é o signo que se reveste a confissão de que o gozo do Outro, do corpo do outro, não se promove senão pela infinitude, e vou dizer qual: a que é sustentada pelo paradoxo de Zênon, nem mais nem menos, ele mesmo.
Nada mais compacto do que uma falha, se estiver bem claro que, em algum lugar, está dado que a interseção de tudo o que aí se fecha sendo admitida como existente, num número finito de conjuntos, disso resulta, é uma hipótese, que a interseção existe num número infinito.
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ali onde está o ser está a exigência da infinitude.
O gozo do Outro lado é oposto aqui ao gozo fálico, ele também considerado um espaço compacto, mas onde se desdobra, desta vez, uma subfamília finita de espaços fechados, cuja interseção é não vazia, o que permite concluir, sempre porque o espaço é compacto, que todas as famílias - inclusive, pois, as famílias infinitas - têm elas próprias uma interseção não vazia (e, portanto, tirar uma conclusão sobre algo de infinito, onde a hipótese incide sobre o finito).
O que isso (tudo) quer dizer? Que eu pude lhes dar uma imagem dos fatos que são fatos de discurso - desse discurso que solicitamos que saia na análise, em nome do quê? da falha de tudo o que se refere aos outros discursos - o aparecimento de algo onde o sujeito se manifesta em sua hiância, naquilo que causa seu desejo.
E o que se refere ao ser, a um ser que se colocaria como absoluto nunca é senão a fratura, a quebra, a interrupção da fórmula "ser sexuado", na medida em que o ser sexuado está implicado no gozo.
o que faz a imagem se sustentar é um resto.
o amor e a melancolia
seminário XX - Lição III